SE O QUE NOS CONSOME FOSSE APENAS FOME... *
Como o doceiro, quando o bolo
sola.
Como o cozinheiro, quando o
feijão salga ou o arroz gruda.
Como o professor, quando o
estudante perde.
Como o médico, quando o paciente
morre.
Como o lavrador, quando perde a
safra.
Assim se sente o artista cênico,
quando cena não há!
E foi isso que não aconteceu no
dia 13/03/13 (o número já parece cabalístico).
Artistas (professores e
estudantes) não puderam subir ao palco.
O público não pôde ocupar a
plateia.
Literalmente, faltou ar.
A pane no sistema de refrigeração
do Centro de Cultura Antônio Carlos Magalhães (segundo alguns, uma constante),
pôs lágrimas nos olhos de meia centena de pessoas que se prepararam durante
seis longos meses para o exercício de sua função e paixão.
Mas, antes de falar da superação
que adianta o título desta postagem, como professora de dramaturgia que sou,
vou contar, episódio por episódio (como faziam os gregos) a nossa tragédia
anunciada. A pane no ar é apenas a cereja do bolo...
Posso começar pelo choque de
pautas, ou posso ir ainda mais longe, quando a confirmação da pauta da 5ª
mostra só aconteceu 10 dias antes da estreia, porque a coordenação segurava
insistentemente a pauta para um produtor local. Resultado: perda do prazo para
confecção do material de divulgação. Somos ambos, Estado, sabemos como andam as
coisas por aqui.
Posso falar da crescente
dificuldade que se estabeleceu entre a Coordenação do Centro e os Cursos de
Teatro e Dança da UESB, outrora parceiros, agora quase times rivais, em jogos que
se tornaram para nós, verdadeiras batalhas para conseguirmos uma sala, uma
pauta, uma atenção. Posso mencionar o descaso de não avisar ao Colegiado de
Teatro (que tem aulas fixas no Centro durante todo o semestre) sobre uma
dedetização do espaço, fazendo com que professora e seus estudantes subissem
até o alto da prefeitura sob o simpático, mas escaldante, sol que dá título à
cidade de Jequié, fazendo a turma perder mais de uma hora entre o caminho de
ida e volta e a busca por outro espaço para a aula acontecer. Nenhum ofício,
nem email, nem telefonema, nem sinal de fumaça. Nada. Por outro lado, para tudo
que se pede lá, mesmo diante da parceria entre os dois órgãos públicos de
instância estaduais, (irmãos, portanto) há que se preencher um bendito de um formulário
de 5 páginas que... pela mãe do guarda....
Mas devo entrar agora nos dias de
horror que se seguiram durante a preparação e estreia da 6ª mostra Engenho de
Composição.
Mais uma vez sob o sol escaldante
de Jequié, a equipe trabalhou durante todo o dia de montagem sem ar
condicionado. “São, ordens, professora!” Todo mundo suando às bicas, passando
mal, mas dignamente, fazendo seu trabalho, debaixo de luzes de refletores,
maquiagem e figurino. “Só podemos ligar o ar duas horas antes do espetáculo”. A
montagem da exposição de fotos era um ensaio para o inferno. Era tão alta a
temperatura que as fotos ficaram murchas na parede onde o sol bate diretamente.
Ar condicionado só duas horas antes do espetáculo. Às 17h, todos já
comemoravam. “Não, só na hora do espetáculo, professora!”...
Mas isso ainda não é tudo.
Estudantes e professores
colocados pra fora do Centro de Cultura entre as 12h e 14h. Curiosamente os
vários funcionários do Centro de Cultura almoçam todos no mesmo horário (que
bonitinho!) de modo que o Centro tem que ficar fechado. Nas mostras passadas,
cinco para ser exata, a equipe sempre ficou no espaço. Mesmo sabendo que não poderia
usar o palco, tinha acesso aos camarins, podia almoçar suas marmitas, descansar
um pouco, passar seus textos, arrumar suas coisas. Mas o que se viu nesta
segunda foi um bando de estudantes desolados, comendo suas marmitas trazidas de
longe, debaixo da sombra de uma magra árvore no estacionamento do Centro de
Cultura, diante de um portão fechado a cadeado.
No dia seguinte, mais um convite
para sairmos. Eu, professora de Teatro do Oprimido, lancei mão de minhas
ferramentas: “Estou trabalhando, só saio daqui algemada pela polícia. Não somos
ladrões. Isso aqui não é um estabelecimento comercial que funciona das 8h às 12h
das 14h às 18h. Deem seu jeito.” A coordenadora estava ausente, por conta de um
curso . Ela e a vice – que até onde eu sei tem a função de substitui-la em sua
ausência – estavam (as duas) em curso de formação. É a segunda vez que a nossa
mostra coincide (?) com esse fatídico curso de formação para coordenadores de
Centros de Cultura (que eu adoraria saber o que ensina, porque na prática eu
não consigo identificar). Apesar do mal estar, a polícia não veio me retirar e
eu e parte da equipe continuamos concluindo nossa exposição. É bom lembrar que
havíamos começado na véspera, mas tivemos que parar às 18h porque aquele lugar
se crê, de fato, uma loja ou algo que o valha, que só funciona em horário
comercial.
Durante esses entreveros,
mantivemos contato constante com representantes da SECULT e da FUNCEB que de
Salvador tentavam ora ajudar, ora explicar as atrocidades, como por exemplo, a
exibição de um filme que apareceu do nada, no dia da estreia do nosso primeiro
espetáculo. Quem é da área cultural deve estar rindo e achando que eu sou uma
grande dramaturga e estou inventado todas essas peripécias para tornar o drama
mais interessante. Quem me dera! Tudo verdade! Dramaturgia do universo! O tal
do ‘filme oficial’ já estava agendado antes de mim (Será possível, já que eu
reservei a pauta em agosto de 2012?) Enfim, eis que além de tudo, absolutamente
tudo o que já tínhamos passado, cai esse filme de paraquedas horas antes da
nossa estreia. “Não tem jeito, tem que passar, professora! São ordens!”
Cansaram? Nós também. Mas ainda
não chegamos nem na metade.
Na terça-feira às 19h abrimos
oficialmente o Engenho de Composição. Com a presença do Reitor da nossa
Universidade, fizemos uma linda festa com diversas atividades além do
espetáculo principal. O ar condicionado não dava conta do numeroso público
presente e a todo tempo eu enchia o saco da equipe: “O ar não está ligado!”,
dizia eu. “Está, professora!” respondiam eles. Mas era evidente que havia um
problema no ‘ar’!. E era um show de programas do espetáculo virando leque. E
tome leque-leque-leque durante a apresentação. Sob um calor constrangedor,
vivemos nossa feliz noite.
Mas eis que chega o dia seguinte.
Elenco maquiado, Leitura
Dramática ensaiada, luz afinada, material organizado, recebo a notícia:
“Professora, tenho uma má notícia
para te dar!”
“O ar condicionado quebrou!” eu
respondi, não profética, mas experientemente.
“Exatamente!”
E é aqui que começa, de fato,
aquilo que resultará no auge da superação.
Atores desolados. Tristeza
generalizada. Mobilização na UESB para ver se era possível consertar o bendito,
até o momento decisivo: a apresentação será cancelada. Familiares que se
deslocaram de outras cidades, mães que vieram ver seus filhos em cena, uma
desolação de comover o mais duro coração. Protestos de uns, defesa de outros de
fazer mesmo sob o calor (sem se dar conta dos riscos de queima dos refletores,
de problemas de saúde na plateia) o que nos unia era a indignação. Os
funcionários não sabiam o que dizer ou fazer. Sem nenhum autonomia ou poder de
decisão, tinham o pepino tamanho G nas mãos e nenhuma, mas nenhuma
possibilidade de solução. Constrangimento nível 5!
Todos à entrada! O elenco, em
protesto, foi receber de figurino os espectadores que viriam. E vieram. Ficamos
das 18h30 às 21h30 devotados aos nossos espectadores, lamentando, informando
sobre o ocorrido. O que seria da mostra a partir dali? Quem sabia? Era preciso
começar a pensar (e por em prática ) o plano B!
No dia seguinte, numa manhã dedicada
ao conserto do ar, com a equipe de Serviço Gerais da UESB e outro técnico
providenciado pelo funcionário do Centro, chegou-se à conclusão de que era
melhor tomar outro rumo, porque nem o motivo da pane havia sido ainda
descoberto. Paralelamente a essa tentativa, desde a noite anterior, começamos
os contatos necessários para a transposição da mostra para o auditório Waly
Salomão, da UESB, um espaço com menos recursos, sem uma estrutura adequada para
nossos espetáculos, mas que era o que tínhamos como possibilidade.
Uma verdadeira força tarefa se
fez. Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), Coordenação de Cultura, Prefeitura de
Campus, Serviços Gerais, Coordenação de Transporte, Gerência de Extensão,
Colegiados de Teatro e Dança, Assessoria de Imprensa, todos unidos na resolução
do problema. Verificação da pauta, aquisição do equipamento de luz, transporte
do cenário, figurinos, instalações e equipe. Parecíamos formigas. Uns chorando
pelo Centro de Cultura perdido e outros vibrando pelo auditório conquistado.
Mas todos trabalhando! Estes estudantes, tão breve, não terão uma aula de vida
como foram estes dois intensos dias. Vaidade, tristeza, indignação,
resiliência... de tudo se experimentou um pouco.
E ontem, 14 de março de 2013,
dentro da nossa casa que é a UESB, deu-se a Sagração da nossa Primavera. Do
espetáculo não falarei agora, porque ele merece trato especial. Falarei das
lágrimas, agora de alegria e júbilo, por tão lindo acontecimento. Voltavam a
sorrir, mesmo entre lágrimas, estudantes e professores. No palco, nossa maior
razão de ser. Se todo esse longo percurso trágico foi arte dos deuses do Olimpo
(cruéis como às vezes só eles podem ser) provamos que somos como o Titã
Prometeu, que mesmo diante dos mais severos castigos, não se rende, não se
curva, não volta atrás. Que comam, diariamente, pedaços de nosso fígado. Nós
não desistiremos. A cada novo dia, a cada nova conquista, temos a plena certeza
de que estamos no caminho certo. E olha que ter a certeza de que escolheu o
curso certo, a profissão certa, é um privilégio para poucos.
Sim, nós sobrevivemos!
E... ao fim e ao cabo, talvez a
nossa grande sina fosse mesmo trocar definitivamente ACM por Waly Salomão.
Honestamente, me parece uma troca justa!
Que viva o poeta!
Que viva cada poeta que há nesse
curso!
CONTINUE ACOMPANHANDO A MOSTRA
ENGENHO DE COMPOSIÇÃO. Confira a programação aqui no blog!
Adriana Amorim
Coordenadora do Engenho de Camposição
* QUINTETO VIOLADO
"E foi isso que não aconteceu no dia 13/03/13 (o número já parece cabalístico)." Ao ler isto, e perceber a quantidade de 3 nesta data, fui pesquisar algo sobre o número 3. Este número representa o crescimento, expansão e desenvolvimento. É o maior número de potencial artístico da numerologia pitagórica. Nesta data, o nosso curso mostrou que nada vai impedir o seu crescimento, sua expansão e seu desenvolvimento!!!
ResponderExcluirThiana.
BRAVO! Bravo Adriana pelo texto, pela coordenação, pela força e sensibilidade! Bravo a nós todos que como Fênix sempre resurgiremos das cinzas mais brilhantes do que nunca! EVOÉ!
ResponderExcluirMe emocionei muito com o texto.
ResponderExcluirTentei escrever algo mais formal, porém o meu ser Walyniano só fala isso:
“Por aqui tem feito D dias lindos/ Procurar um outro AR/ ALTERAR/ E o meu ser se esgota na procura patológica/ Do que nem sei o que é/ E esse é/ Não há nunca/ Em parte alguma/ Prazer algum/ Mantra mito nenhum/ Que me/ Baste./ ALTERAR”.
Que negócio intenso, Adriana! Quantos enfrentamentos e quanta determinação! A vocês os meus aplausos de pé por não terem se rendido ao discurso esvaziado do "são ordens, professora" e terem criado as condições necessárias para que a arte, noutro canto que tenha sido, tenha cumprido o seu papel de não se esmorecer. Um abraço forte, guerreira
ResponderExcluirEvoé de resistência!
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